Finalizado - Coleta de Ervas, Iana

---

Mais tarde naquela noite havia decidido adiantar o trabalho que deveria fazer na manhã seguinte. Uma missão sobre coleta de recursos deveria ser bem mais fácil durante o dia com a ajuda da luz solar. Enfim, foi um mero impulso somado a vontade de me dedicar realmente ao caminho que havia escolhido.

Sai pelo portão leste da fortaleza, sentindo o frio tocar o meu rosto e também os dedos das mãos e dos pés. Dava para ver o vapor congelado exalando por minha boca a cada expiração que fazia. Abri a boca um pouco mais e baforei todo o ar que recém tinha inspirado, vendo uma grande quantidade de vapor se formar em frente ao meu rosto. Sorri, brincando com a situação desconfortável.

Antes que pudesse prosseguir fui interrompida por uma aproximação repentina, virei o meu corpo e encarei a figura que avançava. Era um homem alto, até demais, com cabelos longos e castanhos. Por algum motivo andava ao meu encontro, porém dei espaço para que seguisse seu caminho. Imaginei que eu apenas estava em sua frente.

Após dar dois passos para a esquerda mais próxima para a margem da estrada, voltei a encarar o homem esperando que passasse direto, ver alguém vindo na minha direção sempre acelerava o meu coração, era deprimente. Quando esteve mais perto, tentei observar o que vestia e o que levava consigo.

---

O jeito que estava me abordando era inconveniente e um tanto quanto sem educação, seus olhos me encaravam, mas aquele infeliz não dizia uma palavra sequer. Como se tivesse tentando me intimidar com sua presença ou jeitão de ser. Respirei fundo somente com o nariz para não demonstrar que estava tentando manter a calma ao bufar através da boca e inflando meus pulmões.

Em primeiro lugar o encarei de volta, mas não retruquei o seu olhar frágil de alguém que estava zangado, o encarei sem sequer flexionar as minhas sobrancelhas, lavada com um semblante completamente relaxado que me permitiu seguir adiante. Pisquei ambos os meus olhos, deixando a breve escuridão que tomou a minha mente se transformar numa neblina avermelhada que seria interpretada como a ansiedade.

Expirei todo o ar em meus pulmões, deixando o ar ser liberado junto com aquela fumaça. Quando terminei de piscar, voltando a abrir os olhos já estava tranquila novamente. Inspirei novamente com o meu nariz, tentando sentir o cheiro daquele sujeito.

Sua blusa, calça e sapados estavam em um péssimo estado, além disso, ele carregava o mesmo equipamento que eu. Ele era um aldeão, camponês ou até talvez um morador de rua que se juntou ao exército. Talvez eu ouse arriscar pensar que ele vem de uma família muito pobre e sofrida, o jeito que me olha é até como se me culpasse por esta hierarquia injusta.

- Posso ajudar? - Sorri ao perguntar, tentando manter os lábios não muito distantes enquanto flexionava os olhos. Em minha posição não havia nenhuma necessidade de conflito com aquele estranho.

---

Pelo jeito eu havia errado em minha dedução... Sua expressão não era fruto de um ódio reprimido ou raiva por alguma questão política. Na verdade era algo bem mais humano e simples. Sua raiva provavelmente se originava de um credo desenvolvido através de sua criação, causado pelas pessoas a sua volta que o viam apenas por fora e não aceitando o que havia por dentro.

O odor de animais que exalava de seu corpo possivelmente comprovaria que trabalhava em uma fazenda, então o rapaz de fato vinha de uma família pobre. Pergunto-me se o seu pai que o forçou a vir até aqui, sabendo que seu filho era um medroso, apenas para fazê-lo "virar homem".

Era deprimente ver aquela cena, afinal como qualquer outro pensaria um homem como este não deveria ter medo do escuro. Antes de qualquer coisa acabo perdendo o meu sorriso enquanto busquei pensar por um instante, desviando o olhar para o lado esquerdo e tentando imaginar o que o meu pai diria nesta situação...

Voltei a encarar ele, me aproximando um pouco e erguendo minha mão direita em direção ao topo de seu braço. Se ele permitisse iria tocar o topo de seu ombro esquerdo gentilmente, sem apertar, mas também não apenas para encostar, era um toque não intimo para reconfortá-lo.

- Fique calmo... O medo está em sua mente, ele não é real. Assim como a dor ou a tristeza, é algo que você pode controlar... Qual seu nome? - Mantive minha mão em seu ombro o tempo todo enquanto o encarei nos olhos, esperando que se concentrasse somente em minha voz.

---

Ansiedade é um problema geralmente associado a vários distúrbios que causam medo, nervosismo, receio ou preocupação. Lidar com aquele rapaz não me trazia nenhum destes sentimentos afinal logo após o primeiro contato havia percebido ter uma mente fraca e espirito quebrado. Além de demonstrar medo e insegurança, parecia ser tímido também.

Quando ele desviou o olhar e perguntou o meu nome, segurei mais firme em seu ombro logo antes de soltar e retornar os meus braços para baixo de modo relaxado, ficando tranquila com a situação. Observei o rapaz novamente dos pés a cabeça, tentando prestar atenção em sua pele se haviam marcas, cicatrizes ou algum tipo de adorno além dos itens que já haviam sido percebidos.

- Iana - falei com um tom mais sério se comparado ao jeito que estava falando anteriormente, mesmo que tivesse agido de maneira a reconfortar ele não era como se fosse me tornar sua babá. De toda forma seria útil ter alguém como ele ao meu lado caso houvesse algum problema.

- Você pode me acompanhar se quiser, mas não lhe ajudarei a completar a missão... Você deve fazer isso sozinho. - depois considerando que já havíamos terminado de conversar me virei e segui o caminho em direção à floresta nas Montanhas Mogami, gostaria de explorar aquela clareira.

---

Finalmente "Haru" havia se decidido do que fazer, antes pudesse dizer que estava seguro sobre suas capacidades e sedado contra o medo para ter tomado aquela iniciativa. Infelizmente estava apenas agindo por impulso causado por uma indução não tão gentil de minha parte.

Dei com os ombros por ter recusado a minha ajuda, não me faria tanta diferença apesar de tudo. Ao menos não se tratava mais de um problema meu e quem sabe fosse melhor assim... Não me sentiria confortável para agir com alguém por perto.

Fazia tempo desde que não segurava uma lâmina em combate. Meu pai me incentivava tanto a aprender a lutar que acabei relaxando nos últimos meses, depois que ele morreu... Esta seria uma ótima ocasião para pegar o jeito de novo, como ele tanto queria.

Finalizando esta breve interação que infelizmente havia apenas custado tempo precioso, me virei e segui o caminho em direção à floresta novamente, com o intuito de explorar aquela clareira. Durante o percurso já iria começar a minha pesquisa visual em busca das ervas.

---

Após uma longa caminhada descendo aquele morro em direção clareira que compunha o térreo das montanhas, acabei descobrindo que para o meu azar havia uma grande quantidade de grama inconvenientemente grande.

Incapacitada de seguir adiante por aquele caminho deveria escolher por contornar em alguma das direções paralelas as suas margens. Nesta hora levei a minha mão direita para a minha nuca e esfreguei-a com as pontas de meus dedos...

Enquanto estava pensativa sobre por onde seguir, notei com minha visão periférica o que parecia ser uma erva. Caminhei em sua direção instintivamente até estar proxima o suficiente para a encarar com detalhes. Aquela flor era um incômodo visual, pois não batia com a descrição mencionada.

Resolvi ignorar aquela, me direcionei para o sentido oposto e caminhei pela esquerda tentando rotacionar aquele alto gramado enquanto prestava atenção em buscar as ervas, sem flores...

---

Como se já não fosse suficiente ser noite, aquela neblina repentina apenas serviria para atrasar ainda mais a minha busca pelas ervas. A dificuldade da “caça” seria ainda maior se eu seguisse por aquele caminho, logo me sinto forçada a recuar.

Me viro na direção oposta e retorno a caminhar, sentindo meus pés já desgastados pela andança por ali. Mas não cometeria nenhum tipo de imprudência pela morosidade, me mantenho tranquila pelo inconveniente que foi causado pelo caminho a frente.

Pensando bem também não me sinto nem um pouco confortável em explorar uma região tomada por névoa ainda mais durante a noite. Calafrios tomam conta de meu corpo ao pensar na hipótese de surgirem várias criaturas ao mesmo tempo.

Após retornar para o ponto de partida, onde havia me encontrado com a barreira de grama alta pela primeira vez, tomo o caminho da esquerda. Sempre atenta por onde ando, encarando principalmente as áreas mais verdes perto das raízes das árvores.

---

Pelo jeito fugir daquela neblina não era uma opção, talvez fosse "menos pior" do que retornar todo o caminho e tentar alguma opção alternativa a partir do mesmo caminho que aquele tal de Haru havia feito... Não. Nem pensar... Se eu aparecesse por lá é eu quem iria parecer estar com medo.

Balancei o meu rosto negativamente para me livrar daqueles pensamentos, deixando-me concentrar por um instante no caminho que estava trilhando. Respirei fundo e posei minha mão direita sobre o cabo de minha Wakizashi, pois estava receosa de seguir por ali.

Continuei seguindo pelo caminho acentuado que apresentava uma curva, agora com a atenção redobrada para buscar as ervas já que a neblina iria atrapalhar a minha visão. Manteria meus ouvidos bem abertos para evitar ser pega de surpresa em algum possível ataque por animais selvagens...

---

Algo me incomodava naquele cenário, aquela neblina principalmente. Tento não me deixar distrair por ela enquanto seguia por ali, não queria ser pega de surpresa em meio a exploração.

Caminhar sozinha me faz pensar e pensar me faz lembrar do meu pai... Nunca irei me esquecer do dia em que descobri como os Samurai do clã Senju o mataram, só de pensar nisso me fazia cerrar os punhos e parar por um segundo.

Olhei para a árvore mais próxima, já era bom o suficiente para não me perder. Agarrei uma pedra ou galho, caso não encontrasse usaria a minha própria Wakizashi. Na árvore marquei uma cruz inclinada, apontando na direção por onde eu vim.

Tendo marcado a árvore iria respirar fundo e esfregar meus pulsos e mãos para os aquecer, antes de enfim retornar a explorar em direção aquela curvatura, buscando aquelas ervas...

---

Não era nada cômodo pensar que logo agora poderia haver algum confronto contra alguma criatura, tão perto assim do território da aliança. A sensação de ser observada talvez possa ser apenas fruto de minha imaginação, afinal não havia ouvido algo concreto que comprove alguma presença.

Minha infância foi desenvolvida com base no ceticismo, acreditando somente nas coisas que eu podia ver ou ouvir, desconfiando de sensações e crendices comuns, diferente da maior parte das pessoas que se deixam levar por emoções passageiras.

Infelizmente não era também como se pudesse ignorar esta irritação que me pesava os ombros, permaneci parada somente por um instante medindo a distância entre a minha mão direita e a bainha de minha espada.

Respirei fundo antes de soltar a casca que usava para marcar a árvore, deixando com que caísse verticalmente contra o solo, aproveitando a deixa do movimento como quem fosse tentar a agarrar, quando na verdade lançaria a minha mão direita sobre o cabo de minha Wakizashi para desembainhá-la a fim de esfaquear quem quer que estivesse se esgueirando por ali, num corte largo da esquerda para a direita.